“A Resistência” é um romance que transita com maestria entre a ficção e a realidade, explorando as complexidades dos laços familiares sob o peso do passado. Narrado por um alter ego do autor, o livro se debruça sobre a história de sua família, marcada pelo exílio da Argentina durante a ditadura militar e, principalmente, pela adoção de seu irmão mais velho. A narrativa é uma busca do narrador por compreender e dar palavras a um silêncio que permeia a dinâmica familiar: a condição de seu irmão. Com uma prosa delicada e precisa, Fuks constrói uma narrativa fragmentada, uma colcha de retalhos de memórias, angústias e questionamentos que revelam as cicatrizes não apenas de uma família, mas de uma geração.
📑 Resumo por Capítulo
O livro não é dividido em capítulos tradicionais, mas em fragmentos numerados que funcionam como cenas ou reflexões.
- Fragmento 1: O narrador introduz a questão central que o assombra: “Meu irmão é adotado, mas não posso e não quero dizer que meu irmão é adotado”. Ele explora as dificuldades da linguagem para expressar essa realidade sem reforçar estigmas ou simplificar a identidade complexa de seu irmão. A busca pela formulação correta — “foi adotado” ou “é filho adotivo” — revela a profundidade do incômodo e o desejo de proteger o irmão.
- Fragmento 2: O narrador mergulha na imaginação, tentando reconstruir a cena do nascimento do irmão. Ele contrapõe dois cenários: um violento e sombrio, possivelmente ligado ao contexto da repressão política, e outro, asséptico e clínico. Ambos os cenários o desconfortam. Ele reflete sobre o peso de uma criança nascer para “salvar” uma família, reconhecendo a injustiça de tal fardo e a necessidade fundamental de acolhimento e proteção que toda criança merece.
- Fragmento 3: Uma memória específica vem à tona: um episódio na infância em que o narrador, com cerca de cinco anos, revela a uma prima que seu irmão é adotado. O silêncio constrangedor que se segue no carro, dirigido pelo pai, torna-se uma lembrança marcante do peso daquela “verdade”. Ele reflete sobre as orientações ambíguas que receberam e como o irmão, em determinado momento, impôs um silêncio sobre o assunto, que foi aceito por todos, numa mistura de gentileza e covardia.
🖋️ Principais Pontos
- A Autoficção como Ferramenta: Fuks utiliza a si mesmo e sua família como matéria-prima para a ficção. Essa escolha estilística confere uma força visceral à narrativa, embaralhando as fronteiras entre o real e o inventado e permitindo uma investigação profunda e honesta das emoções.
- A Luta com a Linguagem: O livro é, em sua essência, uma reflexão sobre a incapacidade das palavras. O narrador batalha constantemente para encontrar a forma “certa” de nomear a condição do irmão, evidenciando como a linguagem pode ser, ao mesmo tempo, uma ferramenta de aproximação e um instrumento de estigmatização.
- Memória e Silêncio: A obra é construída sobre fragmentos de memória e, mais importante, sobre os silêncios que os cercam. O que não é dito na família do narrador tem tanto peso quanto o que é falado. O silêncio em torno da adoção torna-se um personagem central, moldando as relações e as identidades.
💡 Aprendizados
- A Complexidade da Identidade: A obra nos ensina que a identidade de uma pessoa não pode ser reduzida a um único rótulo ou evento, como a adoção. Somos seres múltiplos, formados por uma teia complexa de experiências, relações e sentimentos.
- O Peso do Não-Dito: “A Resistência” mostra como os silêncios familiares podem criar fissuras profundas e duradouras. A ausência de diálogo, mesmo quando bem-intencionada, pode gerar mais dor e isolamento do que a própria verdade.
- Empatia e o Lugar do Outro: Ao tentar narrar a história do irmão, o narrador se depara com os limites de sua própria perspectiva. O livro é um poderoso exercício de empatia, que nos convida a refletir sobre o quão difícil — e necessário — é tentar compreender a dor e a história do outro.
👀 Curiosidades
- Autor Premiado: Julián Fuks é um dos nomes mais celebrados da literatura brasileira contemporânea. Por “A Resistência”, ele venceu alguns dos mais importantes prêmios literários do país, como o Prêmio Jabuti (Livro do Ano de Ficção e Romance), o Prêmio Oceanos e o Prêmio Literário José Saramago.
- Grafia e Acordo Ortográfico: O livro já foi publicado seguindo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
- Equipe de Produção: A capa da obra foi desenvolvida por Victor Burton e Anderson Junqueira , com imagens da Getty Images e iStock. A preparação do texto ficou a cargo de Márcia Copola e a revisão por Huendel Viana e Marina Nogueira.
🔄 Conhecimentos Conectados
Se você se emocionou com “A Resistência”, certamente apreciará estas obras que dialogam com seus temas e estilo:
- “O Filho Eterno”, de Cristovão Tezza: Outro grande romance autoficcional brasileiro que explora a paternidade e a relação com um filho com síndrome de Down. A obra também mergulha nas angústias e nos desafios da linguagem para dar conta de uma realidade complexa.
- “Os Diários de Emilio Renzi”, de Ricardo Piglia: Piglia, um dos mestres da literatura argentina, foi uma grande influência para Fuks. Seus diários ficcionais são um exemplo primoroso de como embaralhar vida e obra para criar uma literatura potente e reflexiva.
- “A Ocupação”, do próprio Julián Fuks: Publicado após “A Resistência”, este livro pode ser lido como uma continuação ou um desdobramento das inquietações do autor, expandindo a reflexão sobre o espaço pessoal, o exílio e as crises políticas e afetivas.