Quinze anos após os eventos de O Conto da Aia, Margaret Atwood retorna ao aterrorizante mundo de Gilead com Os Testamentos. Longe de ser apenas uma continuação, esta obra é uma expansão audaciosa e um thriller de espionagem pulsante que desvenda os mecanismos internos do regime totalitário. Narrado a partir das perspectivas de três mulheres radicalmente diferentes, o livro tece uma tapeçaria de segredos, poder e rebelião. Temos a voz de uma das arquitetas mais temidas de Gilead, uma jovem privilegiada que cresceu dentro da elite do regime, e uma adolescente no Canadá com um passado misterioso que a conecta diretamente à queda da nação teocrática. Os Testamentos é uma obra-prima de suspense e profundidade, que não apenas responde às perguntas deixadas por seu predecessor, mas também explora a complexidade da cumplicidade, a resiliência do espírito humano e as sementes da destruição plantadas no coração de qualquer tirania.
📑 Resumo por Partes
O livro é estruturado em torno dos testemunhos de três narradoras, cujas histórias se entrelaçam para revelar a queda de Gilead.
- Parte I: O Hológrafo de Ardua Hall (A Tia) A primeira voz é a de uma das Tias mais poderosas e temidas de Gilead, uma figura lendária que, em segredo, escreve a verdadeira história do regime e de seu próprio papel nele. Cercada por poder, mas consciente de sua mortalidade e do julgamento da história, ela revela ter uma estátua em sua homenagem, ao mesmo tempo que esconde seus manuscritos perigosos. Esta narrativa estabelece desde o início um tom de duplicidade e estratégia, mostrando que mesmo no coração do poder, a resistência pode estar germinando.
- Parte II: Testemunha 369A (Agnes Jemima) A segunda narrativa é a de Agnes Jemima, uma jovem que cresceu como a filha privilegiada de um Comandante em Gilead. Sua infância é marcada pelo amor de sua mãe, Tabitha, e pelas rígidas regras impostas às meninas, vistas como “flores valiosas” que precisam ser protegidas. Após a morte trágica de Tabitha e o novo casamento de seu pai, Agnes descobre a verdade chocante sobre sua origem: sua mãe biológica era, na verdade, uma Aia fugitiva. Essa revelação despedaça seu mundo e a coloca em um caminho de questionamento e autodescoberta.
- Parte III: Testemunha 369B (Daisy/Nicole) A terceira voz pertence a Daisy, uma adolescente rebelde que vive no Canadá com seus pais, Neil e Melanie, donos de um brechó chamado The Clothes Hound. Sua vida aparentemente normal é virada de cabeça para baixo quando, após participar de um protesto anti-Gilead, seus pais são assassinados por um carro-bomba. Resgatada por agentes da resistência Mayday, ela descobre sua verdadeira identidade: ela é a Bebê Nicole, um símbolo da opressão de Gilead, e seus pais adotivos eram, na verdade, espiões dedicados a protegê-la.
- O Entrelaçar das Histórias À medida que a trama avança, os caminhos das três personagens convergem dramaticamente. Agnes, para escapar de um casamento arranjado com o repulsivo Comandante Judd, busca refúgio no Ardua Hall, tornando-se uma Postulante para se tornar Tia. Lá, ela reencontra sua amiga de infância, Becka, e começa a ser secretamente educada pela Tia Lydia, que lhe fornece arquivos secretos expondo a corrupção no coração de Gilead. Enquanto isso, Nicole é recrutada pelo Mayday para uma missão perigosíssima: infiltrar-se em Gilead disfarçada de uma nova convertida para extrair informações vitais de uma fonte secreta.
- A Missão e a Queda A fonte secreta revela-se ser a própria Tia Lydia, que por anos planejou a queda de Gilead por dentro. Ela une as duas irmãs, Agnes e Nicole, e as encarrega de contrabandear para o Canadá um microfilme com provas devastadoras dos crimes dos Comandantes. Com a ajuda de Becka, que faz o sacrifício final para criar uma distração, as irmãs embarcam em uma fuga desesperada, superando obstáculos mortais até chegarem ao Canadá e entregarem a informação que selará o destino de Gilead. O livro termina com um simpósio acadêmico no futuro, confirmando a queda do regime e celebrando a coragem das mulheres que o derrubaram.
🖋️ Principais Pontos
- A Humanização de Tia Lydia: O livro transforma Tia Lydia de uma vilã monolítica em uma das personagens mais complexas da literatura contemporânea. Ao revelar sua história de sobrevivência, cumplicidade e, finalmente, sua longa e calculada vingança, Atwood explora as zonas cinzentas da moralidade e da resistência.
- Múltiplas Perspectivas: Diferente da visão claustrofóbica de O Conto da Aia, Os Testamentos oferece um panorama de Gilead através de três pontos de vista distintos: a elite (Lydia), a juventude doutrinada (Agnes) e a resistência externa (Nicole). Essa estrutura enriquece o universo, mostrando suas falhas internas e a diversidade de experiências sob o regime.
- O Poder da Informação: A alfabetização e o controle de informações são as armas mais poderosas do livro. O poder das Tias reside em sua capacidade de ler e escrever, guardando os segredos do regime nos Arquivos das Linhagens. A trama central gira em torno de contrabandear informações, provando que a verdade, uma vez revelada, pode derrubar o mais opressivo dos regimes.
💡 Aprendizados
- Resistência Pode Florescer em Qualquer Lugar: A obra ensina que a resistência não é apenas uma rebelião aberta. Ela pode ser um jogo longo e paciente, cultivado nos corredores do poder por aqueles que parecem mais leais ao sistema. A história de Tia Lydia é um poderoso lembrete de que a sobrevivência pode, em si, ser uma forma de desafio.
- O Legado do Trauma e a Força da Sororidade: As jornadas de Agnes e Nicole são definidas pelo trauma de um regime que elas herdaram. O reencontro das irmãs e sua colaboração, juntamente com o sacrifício de Becka, mostram que a união e a solidariedade feminina são forças transformadoras, capazes de curar feridas e derrubar patriarcados.
- Nenhuma Tirania é Eterna: O livro oferece uma mensagem de esperança ao detalhar a queda de um regime aparentemente invencível. Mostra que a corrupção interna, a sede de poder e a coragem de indivíduos dispostos a arriscar tudo pela verdade são as rachaduras que, eventualmente, fazem qualquer muralha desmoronar.
👀 Curiosidades
- Sucesso Imediato e Prêmios: Os Testamentos foi um fenômeno global desde seu lançamento, vencendo o prestigiado Booker Prize de 2019 (dividido com “Garota, Mulher, Outras” de Bernardine Evaristo).
- Influência da Realidade e da Série: Margaret Atwood reafirmou que, assim como no primeiro livro, todos os eventos e práticas opressivas em Os Testamentos têm precedentes históricos no mundo real. A criação do livro também foi influenciada pelo sucesso da série de TV The Handmaid’s Tale, que expandiu o universo e gerou novas perguntas que a autora se sentiu compelida a responder.
- Lançamento Secreto: A publicação do livro foi cercada de um sigilo digno de uma operação de espionagem. Editores e livreiros receberam cópias com nomes falsos e sob embargos rigorosos para evitar vazamentos antes da data oficial.
🔄 Conhecimentos Conectados
- O Conto da Aia (Margaret Atwood): A leitura essencial que precede Os Testamentos. Para entender plenamente o peso das revelações, a importância da Bebê Nicole e a complexidade de Tia Lydia, é fundamental conhecer a história de Offred que deu início a tudo.
- Vox (Christina Dalcher): Uma distopia contemporânea que ecoa os temas de Gilead. Em um Estados Unidos onde as mulheres são legalmente limitadas a falar apenas 100 palavras por dia, a luta contra o silenciamento e a opressão teocrática se torna uma corrida contra o tempo, compartilhando a mesma urgência e temática feminista.
- 1984 (George Orwell): O clássico distópico que serve de base para muitas obras do gênero. Os temas de vigilância totalitária, manipulação da história e a luta pela verdade em um mundo de “duplipensar” ressoam profundamente com a estrutura de poder e a resistência secreta vista em Gilead.
