Outros Cantos: Uma Viagem Poética ao Coração do Sertão e da Memória

Outros Cantos: Uma Viagem Poética ao Coração do Sertão e da Memória

“Outros cantos” é um romance de fluxo de consciência que nos transporta para o sertão brasileiro através das memórias de sua narradora. A obra, com uma prosa poética e envolvente, explora o contraste entre o passado e o presente, o real e o recordado. A narrativa central é desencadeada durante uma viagem de ônibus, onde a protagonista, agora mais velha, rememora sua chegada a um povoado isolado chamado Olho d’Água quarenta anos antes. O livro é uma meditação profunda sobre o tempo, a transformação das paisagens e das pessoas, a persistência da esperança e o poder dos “cantos” — as vozes e as manifestações culturais que definem um povo e uma terra.

📑 Resumo da Narrativa

A história se desenrola em dois tempos que se entrelaçam. No presente, a narradora viaja de ônibus por um sertão que, embora familiar, se mostra transformado. A figura de um “caubói de rodeio” sentado ao seu lado a transporta para uma lembrança específica de quatro décadas atrás.

Essa lembrança nos leva ao passado, ao dia em que ela, aos trinta anos, chegou a Olho d’Água, um povoado remoto e esquecido, para um exílio voluntário. A chegada é marcada por um profundo sentimento de desolação e estranheza diante da aridez da paisagem e do silêncio do lugar. A jovem protagonista, cheia de ideais e de uma esperança grandiosa, sente suas convicções vacilarem diante da dureza da realidade.

O ponto de virada em sua experiência é o anoitecer, quando o silêncio é quebrado por um canto longínquo, o aboio dos vaqueiros, que transforma a paisagem e a percepção da narradora sobre aquele lugar. No dia seguinte, ela descobre a vida pulsante da comunidade: o trabalho incessante dos homens tingindo fios de algodão e o das mulheres nos teares, criando as redes que são o sustento e a alma do povoado. Esse mergulho na “vida miúda” , no cotidiano de trabalho e resiliência, inicia uma profunda transformação em sua maneira de ver o mundo e a si mesma.

De volta ao ônibus, a narradora reflete sobre como suas esperanças se tornaram “mais modestas e pacientes” , comparando a pobreza e a nudez das crianças do passado com os meninos de hoje, vestidos com jeans e camisetas estampadas, símbolos de uma nova realidade. A viagem se torna uma jornada interior, onde o passado ilumina o presente e questiona o futuro daquele sertão e de sua gente.

🖋️ Principais Pontos

  1. Narrativa em Fluxo de Consciência: A autora utiliza com maestria a técnica do fluxo de consciência, mesclando as observações da viagem de ônibus no presente com as memórias vívidas do passado. Essa escolha estilística cria uma experiência de leitura imersiva e íntima, como se estivéssemos dentro dos pensamentos da narradora.
  2. A Sensorialidade do Sertão: Rezende descreve o sertão de forma multissensorial. Não vemos apenas a paisagem árida, mas sentimos o calor, o cheiro de “couro curtido, suor e tabaco” , e, principalmente, ouvimos os sons — do silêncio profundo ao aboio dos vaqueiros e ao baque ritmado dos teares.
  3. O Canto como Símbolo: Os “cantos” do título são um elemento central. O aboio surge como uma força quase mítica, capaz de “tingir” o céu e dar sentido à paisagem. Ele representa a voz, a cultura e a resistência de um povo que, mesmo em meio à dureza, manifesta sua existência e sua beleza.

💡 Aprendizados

  1. A Transformação da Esperança: A obra nos ensina que a esperança não é estática. A narradora contrapõe a esperança idealista da juventude com a esperança “modesta e paciente” da maturidade. Aprendemos que a esperança pode e deve se adaptar às realidades da vida, tornando-se mais resiliente e talvez mais genuína.
  2. A Riqueza da “Vida Miúda”: O livro destaca a importância de olhar para além das grandes narrativas e encontrar valor na vida cotidiana e anônima. A narradora descobre um universo de conhecimento e dignidade no trabalho dos artesãos de Olho d’Água, uma realidade que “não chegava à tona dos livros”.
  3. Humildade para Aprender: A jornada da protagonista é também um caminho de humildade. Para sobreviver e compreender aquele mundo, ela precisou se despir de seus conhecimentos prévios e se abrir para aprender com todos, reconhecendo suas “próprias ignorâncias”. É uma lição sobre a importância de abordar o novo com curiosidade e respeito.

👀 Curiosidades

  • Publicação e Reconhecimento: O livro foi publicado em 2016 pela editora Alfaguara e selecionado pelo programa Petrobras Cultural, um importante selo de fomento à cultura no Brasil.
  • Detalhes da Edição: O copyright da obra é de 2016 e a edição analisada é uma segunda reimpressão de 2018. A grafia do texto está atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
  • Autora Premiada: Maria Valéria Rezende é uma escritora aclamada, vencedora de prêmios importantes como o Prêmio Jabuti, o que confere a “Outros cantos” o selo de uma autora com vasta experiência literária.

🔄 Conhecimentos Conectados

  1. “Vidas Secas” – Graciliano Ramos: Para quem deseja aprofundar a imersão no universo do sertão brasileiro, a obra-prima de Graciliano Ramos é uma leitura essencial. Compartilha a temática da luta pela sobrevivência em um ambiente hostil, embora com um estilo mais seco e direto.
  2. “Grande Sertão: Veredas” – João Guimarães Rosa: Uma obra monumental que também explora o sertão, mas por meio de uma linguagem revolucionária e de uma narrativa filosófica profunda. Compartilha com “Outros cantos” a visão do sertão como um espaço físico e, acima de tudo, existencial.
  3. “Quarenta Dias” – Maria Valéria Rezende: Outro livro da mesma autora que também lhe rendeu o Prêmio Jabuti. A obra narra a busca de uma mulher por seu filho em uma cidade grande, dialogando com “Outros cantos” no que tange à jornada, ao deslocamento e à observação atenta das realidades sociais do Brasil.

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