“Estive em Lisboa e lembrei de você” é um romance que nos captura pela sua honestidade brutal e pela sua narrativa ágil e, por vezes, febril. A obra, publicada em 2009, narra a história de Serginho, um brasileiro de Cataguases (Minas Gerais) que, após uma série de reveses pessoais e financeiros, decide tentar a sorte em Portugal. O livro mergulha de cabeça no tema da emigração brasileira, explorando as dores e as desilusões de quem busca uma vida melhor em terras estrangeiras. Com um estilo narrativo único, que simula o fluxo de pensamento do protagonista, Ruffato nos oferece um retrato íntimo e comovente da experiência do imigrante, desconstruindo o mito de um paraíso lusitano e revelando uma realidade de solidão, preconceito e saudade.
📑 Resumo da Trama
O romance não é dividido em capítulos tradicionais, mas flui como um longo depoimento de Serginho. A história acompanha sua trajetória desde a decisão de deixar o Brasil, motivado pela perda do emprego, o fim de seu casamento e o desejo de oferecer um futuro melhor para seu filho. Ao chegar a Lisboa, o sonho de uma Europa próspera rapidamente se desfaz. Serginho se depara com a dura realidade do subemprego, da xenofobia e da dificuldade de adaptação. Ele transita por diferentes trabalhos e relações, sempre com a sensação de não pertencimento. A narrativa é construída pelas suas memórias e impressões, revelando um homem comum, por vezes ingênuo, por vezes malandro, que tenta sobreviver em um ambiente hostil. A linguagem utilizada por Ruffato é um dos pontos altos, incorporando gradualmente expressões do português de Portugal ao falar mineiro do protagonista, simbolizando sua tentativa de assimilação cultural.
🖋️ Principais Pontos
- Estilo Narrativo Inovador: A escrita de Ruffato simula o fluxo de consciência de Serginho, com frases longas, sem pontos finais e com uma pontuação peculiar. Isso cria uma sensação de urgência e oralidade, como se o leitor estivesse ouvindo um desabafo direto do personagem, o que torna a experiência de leitura extremamente imersiva e original.
- O Retrato Fiel da Emigração: O livro se destaca por abordar a emigração brasileira para Portugal de forma crua e realista, fugindo de idealizações. Ruffato expõe o choque cultural, as dificuldades econômicas e o sentimento de “não-lugar” vivido por muitos que deixam seu país de origem.
- Diálogo com a Literatura Portuguesa: A obra estabelece um interessante diálogo intertextual com a literatura portuguesa, especialmente com o poema “Tabacaria” de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Essa conexão aprofunda a sensação de melancolia e fracasso do protagonista.
💡 Aprendizados
- A Desconstrução do Sonho: A obra nos ensina sobre a importância de questionar narrativas idealizadas, seja sobre um país, um relacionamento ou um “recomeço”. A jornada de Serginho é um lembrete de que a realidade é frequentemente mais complexa e desafiadora do que os sonhos.
- A Solidão do Imigrante: O livro oferece uma profunda reflexão sobre a solidão e o deslocamento. Sentir-se estrangeiro não é apenas uma questão de geografia, mas também de identidade, pertencimento e afeto. A experiência de Serginho nos faz refletir sobre a empatia e o acolhimento ao “outro”.
- Identidade em Transformação: Através da linguagem que se modifica e das experiências que o moldam, o protagonista vive uma constante transformação de sua identidade. O livro nos mostra que somos seres em permanente construção, influenciados pelos lugares que habitamos e pelas pessoas que cruzam nosso caminho.
👀 Curiosidades
- Projeto “Amores Expressos”: “Estive em Lisboa e lembrei de você” nasceu de um projeto da editora Companhia das Letras chamado “Amores Expressos”, no qual diversos escritores brasileiros foram convidados a passar um tempo em uma cidade estrangeira para escrever uma história de amor. A obra de Ruffato, no entanto, subverte a proposta ao focar no “desamor” e nas dificuldades da experiência migratória.
- Adaptação para o Cinema: A história de Serginho ganhou as telas de cinema em 2015, em uma adaptação dirigida pelo cineasta português José Barahona.
- Discurso em Frankfurt: Luiz Ruffato é uma voz importante na literatura contemporânea e ganhou notoriedade internacional ao proferir um discurso contundente sobre as desigualdades sociais do Brasil na abertura da Feira do Livro de Frankfurt em 2013, quando o país foi o homenageado.
🔄 Conhecimentos Conectados
- “Eles eram muitos cavalos” – Luiz Ruffato: Para quem deseja conhecer mais do estilo fragmentado e urbano de Ruffato, este livro é essencial. A obra traça um painel da cidade de São Paulo em 24 horas, através de 70 vinhetas que se conectam.
- “O Mau Selvagem” – Álvaro Filho: Um romance policial mais recente que também explora a vivência da comunidade brasileira em Lisboa, abordando temas como a xenofobia e o choque cultural sob a perspectiva de um jornalista imigrante.
- “Inferno Provisório” – Luiz Ruffato: Esta é a obra monumental do autor, composta por cinco volumes, que traça a história da classe trabalhadora brasileira ao longo do século XX. Uma leitura densa e fundamental para compreender a trajetória de muitos “Serginhos”.