Publicada em 1978, a novela “Um Copo de Cólera”, do aclamado autor brasileiro Raduan Nassar, é uma obra que se destaca por sua intensidade e linguagem visceral. Em uma narrativa curta, mas de impacto profundo, o livro explora a complexa dinâmica de um relacionamento amoroso, dissecando as tensões entre o masculino e o feminino, a civilização e o instinto, a palavra e o silêncio.
📖 Resumo do Livro (Visão Geral)
“Um Copo de Cólera” é uma explosão literária contida em poucas páginas. A obra narra o encontro de um casal em um sítio, desde a paixão carnal até a erupção de um conflito verbal avassalador. O estilo de Nassar é marcado por um fluxo de consciência, com parágrafos longos e uma pontuação mínima, que imerge o leitor no turbilhão de pensamentos e emoções dos protagonistas inominados. O tema central é o embate, a disputa de poder que se manifesta em todos os níveis: no sexo, na linguagem e na visão de mundo. A leitura é uma experiência sensorial e psicológica que deixa marcas, revelando as camadas mais profundas e, por vezes, sombrias da natureza humana.
📑 Resumo por Capítulo
A novela é estruturada em sete capítulos que constroem uma escalada de tensão, desde a chegada da mulher ao sítio do amante até o desfecho da avassaladora discussão que se segue.
- A Chegada: Narrado em primeira pessoa pelo protagonista, o capítulo descreve a chegada de sua parceira ao sítio ao entardecer. Há uma atmosfera de expectativa e um silêncio carregado de significados não ditos. A aparente tranquilidade da cena já prenuncia a complexidade da relação.
- Na Cama: Este capítulo mergulha na intimidade do casal, explorando o jogo de sedução e poder que permeia o ato sexual. O narrador descreve minuciosamente seus gestos e pensamentos, revelando uma consciência aguda de como manipula o desejo da parceira, antecipando cada reação dela.
- O Levantar: A manhã chega, e com ela os primeiros sinais do conflito que está por vir. A transição do espaço da cama para as atividades matinais revela um deslocamento também na dinâmica do casal.
- O Banho: A água e a limpeza funcionam como um breve interlúdio, uma tentativa de purificação antes da tempestade. No entanto, a tensão continua latente, submersa sob os gestos cotidianos.
- O Café: A refeição matinal é o último momento de aparente calma. A conversa é superficial, mas o não dito pesa no ar, preparando o terreno para a explosão iminente.
- O Esporro: Este é o capítulo central e mais longo da novela. Um incidente trivial — a descoberta de que formigas estão destruindo sua cerca-viva — desencadeia a fúria do protagonista. A partir daí, inicia-se uma discussão violenta e descontrolada, um “esporro” que revela as frustrações, ideologias e o desprezo mútuo do casal. A linguagem atinge seu ápice de virulência, com acusações que vão do pessoal ao político, expondo o abismo que os separa.
- A Partida: Após o clímax da briga, o capítulo final mostra a partida da mulher. Há uma mudança de perspectiva, e a narrativa se encerra de forma cícliana, sugerindo a repetição e a insolubilidade do conflito.
🖋️ Principais Pontos
- A Linguagem como Arma: Raduan Nassar utiliza a linguagem não apenas para narrar, mas como a própria matéria do conflito. O fluxo de consciência, os períodos longos e a escassez de pontos finais criam uma sensação de urgência e sufocamento, espelhando o estado emocional dos personagens. As palavras são projéteis em uma batalha verbal.
- O Embate entre Masculino e Feminino: A obra é uma representação crua da guerra dos sexos. O protagonista, um homem que se vê como proprietário de seu pequeno mundo, tenta impor sua autoridade e visão sobre a mulher, uma jornalista que ele considera uma “femeazinha emancipada”. A relação é um campo de batalha onde poder, desejo e controle estão em constante disputa.
- A Tensão entre Ordem e Caos: O protagonista busca obsessivamente manter a ordem em seu sítio, o que se reflete em seu desejo de controlar a parceira. A fúria desencadeada pelas formigas simboliza o colapso dessa ordem, a invasão do caos em seu mundo meticulosamente construído. A cólera é a explosão do irracional que destrói a frágil estrutura de civilidade.
💡 Aprendizados
- A Complexidade das Relações Humanas: O livro ensina que as relações afetivas são territórios complexos, onde amor, ódio, desejo e poder coexistem de forma indissociável. A aparente harmonia pode mascarar profundas divergências e ressentimentos.
- A Violência na Linguagem: A obra é uma poderosa reflexão sobre como a linguagem pode ser um instrumento de violência e opressão. As palavras ferem, humilham e revelam as estruturas de poder presentes nas relações mais íntimas e na sociedade como um todo.
- O Autoritarismo no Cotidiano: Publicado durante a ditadura militar no Brasil, “Um Copo de Cólera” pode ser lido como uma metáfora do autoritarismo que se infiltra nas relações privadas. A ânsia de controle e a intolerância à diferença, manifestadas pelo protagonista, espelham uma mentalidade autoritária mais ampla.
👀 Curiosidades
- Publicação Tardia: Embora tenha se tornado um clássico da literatura brasileira, “Um Copo de Cólera” foi escrito por Raduan Nassar em 1970, mas publicado apenas em 1978.
- Reclusão do Autor: Raduan Nassar é conhecido por sua obra concisa e por ter abandonado a carreira literária no auge do reconhecimento para se dedicar à agricultura em sua fazenda no interior de São Paulo.
- Adaptação para o Cinema: A novela foi adaptada para o cinema em 1999, em um filme dirigido por Aluizio Abranches e estrelado por Alexandre Borges e Júlia Lemmertz, que na época eram casados na vida real. A adaptação foi elogiada por sua fidelidade ao texto original.
🔄 Conhecimentos Conectados
- “Lavoura Arcaica”, de Raduan Nassar: Primeira obra do autor, explora de forma igualmente intensa, embora com um registro linguístico mais arcaico e bíblico, os conflitos familiares, a repressão dos desejos e a transgressão.
- “São Bernardo”, de Graciliano Ramos: Compartilha com “Um Copo de Cólera” a figura de um protagonista masculino autoritário e possessivo, Paulo Honório, cuja narrativa em primeira pessoa revela sua incapacidade de se relacionar com o outro, especialmente com a figura feminina de Madalena.
- “Dom Casmurro”, de Machado de Assis: Embora com um estilo e contexto distintos, a obra machadiana também se aprofunda na perspectiva de um narrador masculino que tenta controlar e definir a imagem da mulher amada, levantando questões sobre ciúme, poder e a unreliable narrator (narrador não confiável).